segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Graciliano Ramos (1892-1953)

Certamente não era pela qualidade dos produtos oferecidos que os habitantes do município de Palmeira dos Índios, no agreste alagoano, viviam na loja de tecidos Sincera. Nada contra as mercadorias. Mas a alma do negócio era o próprio dono, um intelectual que largava o balcão, punha cadeiras na calçada em frente ao comércio e, entre doses de café e cachaça, discorria horas sobre a Revolução Francesa. A gente pobre se deliciava. Resolvia comprar. E sensibilizado com o aperto financeiro dos conhecidos, Graciliano Ramos vendia fiado.

Há quem diga que, na hora de receber o dinheiro, o escritor dava o troco segurando as notas com uma tesoura para não se sujar. A mania de higiene sempre o acompanhou. Se alguém o perdia de vista, bastava passar no banheiro mais próximo: ele estava lavando as mãos.

O comércio não mexia com a imaginação de Graciliano. Aos 22 anos (nasceu no dia 27 de outubro de 1892, em Quebrângulo, Alagoas) foi tentar a sorte no Rio de Janeiro. Já trabalhava como revisor e escrevia crônicas quando um telegrama interrompeu o sonho de ser um escritor. Chegava a notícia da morte de três irmãos, num só dia, e do péssimo estado da mãe, todos vítimas da peste bubônica. Atarantado, ele voltou ao sertão, e lá ganhou notoriedade.

Em 1926, o prefeito de Palmeira dos Índios apareceu fuzilado. De tanto recusar o convite dos amigos para sair candidato, espalhou-se o boato de que Graciliano estava com medo de fracassar. "Apareça o filho da p... que disse que eu não sabia montar em burro bravo!", desafiou. Ninguém apareceu e ele venceu as eleições sem fazer campanha. Logo que assumiu o cargo, em 1928, decretou o recolhimento dos bois, cavalos e porcos que andavam soltos nos passeios públicos. Os donos eram severamente multados. Sobrou até para o pai do escritor. Certo dia, o fiscal encontrou algumas vacas do velho em liberdade. Sebastião Ramos protestou, mas o filho não teve dúvida: "Lavre a multa; prefeito não tem pai."

O homem que lia Marx em francês na adolescência deu asas às suas inspirações e mandou a prestação de contas ao governador em linguagem literária. Não se sabe como, mas o texto brilhante foi parar nas mãos do editor carioca Augusto Frederico Schmidt. Ele supôs que quem escrevia relatórios como aqueles deveria ter algum romance escondido na gaveta. Schmidt acertou e mandou publicar Caetés, lançado quando Graciliano já contava 41 anos. A austeridade do administrador resultou no convite para dirigir a Imprensa Oficial do Estado, equivalente a uma Secretaria de Educação.

Detido sob a falsa acusação de participar da Levante Comunista de 1935, Graciliano passou dez árduos meses preso no Rio de Janeiro. O inferno foi retratado em Memórias do cárcere: a cela fétida, a comida intragável, mas também a amizade com dois ladrões barra-pesada - Cubano e Gaúcho, este último um especialista em arrombamentos. Deixou a cadeia em janeiro de 1936 e nunca mais voltou para o Estado de origem. Ao contrário, trouxe a mulher, Heloísa, e duas filhas para uma pensão no Catete, no Rio. "Parecia ser um sujeito ríspido, mas no fundo isso não passa de estereótipo", lembra o jornalista Moacir Werneck de Castro, então vizinho de Graciliano. O mito se justifica. Dizem que ele respondia aos cumprimentos de "bom-dia" com um seco "por quê?". Quando lhe pediam a opinião sobre um livro, afiançava: "Não li e não gostei."

Pêsames do Dops

As dificuldades financeiras acompanharam o velho Graça até o fim da vida. Sua produção literária era lenta e mal-remunerada. Acumulava as funções de inspetor de ensino e revisor do Correio da Manhã. A filiação ao Partido Comunista aconteceu em 1945, quando o PCB saiu da ilegalidade do Estado Novo. Foi um membro ativo, mas nunca se submeteu ao patrulhamento ideológico dos companheiros, que insistiam para que sua obra se voltasse para um realismo socialista. Preferia denunciar a miséria brasileira por meio de personagens ásperos e uma linguagem sem rebuscamentos.

Sua franqueza cortante foi espionada até o último dia. Graciliano Ramos não resistiu ao câncer no pulmão causado pelos três maços diários de cigarros Selma. Na manhã do dia 20 de março de 1953, o telefone tocou na Casa de Saúde São Victor. "Pode me informar se Graciliano Ramos faleceu?" "Sim, senhor", responderam. "Meus pêsames. É do Departamento de Ordem Política e Social. Desejávamos saber se podíamos inutilizar a ficha dele." Como se as idéias morressem com o corpo.

VOCÊ SABIA?

Era ateu convicto, mas tinha uma Bíblia na cabeceira só para apreciar os ensinamentos e os elementos de retórica. Por insistência da sogra, casou na igreja com Maria Augusta, católica fervorosa, mas exigiu que a cerimônia ficasse restrita aos pais do casal. No segundo casamento, com Heloísa, evitou transtornos: casou logo no religioso.

OBRA-PRIMA:

• Caetés (1933)

• São Bernardo (1934)

• Angústia (1936)

• Vidas secas (1938)

• Infância (1945)

• Memórias do cárcere (1953)

• Viventes de Alagoas - reunião de crônicas (1962)

(Fonte: IstoÉ – O Brasileiro do Século)

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer." (Graciliano Ramos)"

2 comentários:

Anônimo 27 de outubro de 2008 às 22:05  

Adoro as obras da graciliano haha
Adorei o post, te espero no meu, desculpe a demora.. tou sem pc!

Anônimo 20 de novembro de 2009 às 18:06  

Aprendi muito