quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A dama do teatro

A busca do ser, o desejo de se saber quem é, sempre foi um desafio na vida de Fernanda Montenegro. Talvez, por causa do silêncio profundo que essa busca costuma encontrar como resposta, Fernanda tenha se transformado tantas e tantas vezes ao longo da vida. Provavelmente, por causa dela, tenha optado pela carreira de atriz. Descendente de portugueses e italianos, Arlette Pinheiro Esteves da Silva, após o casamento com o também ator Fernando Torres, em 1953, passou a assinar Arlette Pinheiro Monteiro Torres.

Mas tornou-se conhecida mesmo como Fernanda Montenegro. O nome Fernanda foi escolhido ainda na adolescência por ter, segundo ela, uma sonoridade que remete aos personagens dos romances de Balzac ou Proust. Montenegro veio de um médico homeopata que não chegou a conhecer, mas que era amigo da família e tido como operador de verdadeiros "milagres".

Da união, nasceram a também atriz Fernanda Torres e o cenógrafo, programador visual e diretor de cinema Cláudio Torres.O "nome mágico" Fernanda Montenegro apareceu pela primeira vez quando ela trabalhava no rádio, fazendo traduções e adaptações de peças literárias para o formato de radionovelas. Na base da inspiração e, principalmente, da transpiração, Fernanda se projetou como uma das principais atrizes. Junto com colegas do Rio de Janeiro e de São Paulo, como Sérgio Britto, Ítalo Rossi, além de seu próprio marido, conferiu maior dignidade ao teatro brasileiro a partir da década de 50.
A carreira artística de Fernanda Montenegro se divide entre o teatro, a televisão e, nos últimos anos com maior intensidade, o cinema. A estréia no teatro se deu em 1950, na peça "Alegres Canções nas Montanhas", ao lado de Fernando Torres. Foi ainda no começo da década de 50, também, que teve seu primeiro contato com a televisão, trabalhando em teledramas policiais.

Fernanda utilizou esse tempo para aprimorar seus conhecimentos sobre o teatro e, a partir de 1952, definiu-se pelos palcos, sem pertencer a uma escola dramática definida. Em pouco tempo, tornou-se figura respeitada nacionalmente. Fez várias peças ao lado do marido e de atores como Sergio Britto, Cacilda Becker, Nathalia Timberg, Cláudio Correa e Castro e Ítalo Rossi.

No começo da década de 60, já em São Paulo, atuou na televisão encenando mais de 170 peças no programa "Grande Teatro Tupi". A partir de 1963, começou participar de telenovelas. Mas foi somente a partir de 1979 que sua presença se tornou mais marcante na telinha.

Fernanda Montenegro estreou no cinema em 1964, quando atuou na adaptação do diretor Leon Hirszman de "A Falecida", obra de Nelson Rodrigues. Mas foram poucas as suas participações no cinema, comparando-se com os trabalhos no teatro e mesmo na televisão. A mais notória, antes de "Central do Brasil", se deu em "Eles Não Usam Black Tie" (1980) do mesmo Hirszman. Fernanda atuou ao lado de Gianfrancesco Guarnieri e a produção ganhou o Leão de Ouro, como melhor filme, no Festival de Cinema de Veneza.

O teatro jamais deixou de ser sua prioridade. Em 1982, ela ganhava os prêmios Molière especial e de melhor atriz por sua atuação em "As Lágrimas Amargas de Petra von Kant". São inúmeros os prêmios conquistados por Fernanda Montenegro ao longo de sua carreira teatral. Apontada por colegas de palco como uma atriz capaz de aliar como ninguém técnica e instinto.

Por sua enorme expressividade, foi qualificada por um crítico como atriz dotada de "rosto de borracha", tamanha sua capacidade de mudar a expressão e de se adaptar às características do personagem, sempre de forma convincente. Há quem diga que esse atributo foi herdado por sua filha, a atriz Fernanda Torres, que foi laureada com a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1986, como melhor atriz, por sua atuação no filme "Eu Sei Que Vou Te Amar".

Apesar de extremamente versátil, Fernanda Montenegro considera-se uma atriz convencional. "Pertenço a uma geração não romântica, sem vedetismos. Não gosto de intérprete que só trabalha quando o centro do palco é seu. Também odeio elencos subservientes. Gosto de trabalhar com atores potentes, que participam do ritual, livres da competição destruidora."Em 1985, foi convidada pelo então Presidente da República, José Sarney, para ser ministra da cultura. Obteve o apoio unânime de toda a classe artística e da opinião pública, mas recusou por saber não ser essa a sua real vocação.

Mas a relação com o poder nem sempre foi assim tão afável. Em 1979, ainda durante a ditadura militar no Brasil, Fernanda e seu marido foram alvo de um atentado por parte de um dos vários grupos paramilitares que atuavam com a conivência do sistema vigente. Saiu ilesa, mas, na época, precisou cancelar apresentações e atuou com as luzes do teatro acesas e amparada por seguranças durante algum tempo. Mas os anos de chumbo passaram e o talento de Fernanda Montenegro pôde ser cantado livremente na voz do cantor Milton Nascimento, que lhe homenageou com a música "Mulher da Vida".

2 comentários:

VIADAGEM E A TRANSGRESSÃO POÉTICA 16 de outubro de 2008 às 22:27  

Tanta dignidade numa só mulher... e tanto talento... Fernanda me comove, apesar de eu só tê-la visto uma vez no palco... mas vi um monte de filmes... Perfeita!
Ricardo
aguieiras2002@yahoo.com.br

Serginho Tavares 23 de outubro de 2008 às 20:21  

concordando com o comentario acima: ela é digna. simples assim.