Por Marcos Freitas e
Ricardo Rocha Aguieiras
Uma das coisas boas da vida é que quando você está entediado de tudo, saco na lua e olhando sedutoramente para aquele frasco de arsênico lá na penteadeira – vamos ser mais modernos: Rohypnol no rack do pc...ehehe... - , sempre acontece algo surpreendente que te resgata para a felicidade, o êxtase e te dá mais alguns anos de tentativas.
Tivemos nós dois, Marcos Freitas e Ricardo Aguieiras, um dos mais belos sábados indo, muito bem acompanhados, rever o emocionante espetáculo SEXO VERBAL, em cartaz no Casarão do Belvedere (serviço abaixo). “Bem acompanhados” por que rodeados por ilustres e famosos como o grande e carinhoso Dr. Prof. Luiz Mott, que ocupa o 1º lugar no quadro de honra da militância homossexual, figura ímpar nesses Brasis. Mas também ao lado de Douglas Drummond, empresário que criou a ong Casarão Brasil, na rua Frei Caneca, que já está dando o que falar, com um monte de propostas ótimas e criativas. Douglas é um lindão, um corpasso e voz de arrepiar e levou junto o maior maquiador artístico do país, Westerley Dornellas, um verdadeiro mágico dos pincéis. Ferdinando Martins e o marido Beto Sato um monte de jornalistas que atuam na mídia gay, a nata do talento e da competência da imprensa estava lá, como, ainda, o Lufe Steffen, uma delícia queimado de sol e cheio de dentes brancos e Ana Paula Siewerdt... bela bela e bela. Com certeza estamos sendo injustos e esquecendo de alguns, mas perdoem!
Porém, estamos aqui para falar da peça.
Os anos 90 e todo o início deste século foram marcados por conservadorismos, moralismos que – unidos ao holocausto provocado pela aids e pela culpa judaico-cristã – quase colocaram a perder as conquistas e os espaços anteriores, frutos de Maio de 68, do Movimento Hippie, do Feminismo e outros movimentos sociais; até mesmo provocações de Freud, Sartre; Genet , Sade e outros caíram um tanto no esquecimento em nome de um comportamento sexual e amoroso que fosse visto como algo não transgressor, asséptico, discreto e politicamente correto. E, o mais importante, sem entregas. O prazer controlado e medido para não atiçar a nossa culpa e ficarmos bem , tanto perante o espelho como perante o olhar do/da outro/a. Sempre existirão inúmeros argumentos e desculpas para não sermos livres e felizes. E como, para muita gente, sexo, sentimentos, emoções e amor andam de mãos dadas, pode-se imaginar o estrago que tudo isso trouxe às relações entre as pessoas, onde passou a reinar, antes de tudo, a desconfiança e seus tentáculos repressivos.
João Silvério Trevisan já disse que os escritores são como os pára-raios da sociedade e de seus indivíduos e cabe a eles a dolorida tarefa do alerta e da percepção. Nós ampliamos isso para todo e qualquer artista, independente de sua qualificação. Mas ainda mais para as atrizes e atores, a mais bela das profissões. Atuar é se arrebentar à cada noite, não há no mundo generosidade maior, por que fazem isso pelo outro, pelo espectador que está lá assistindo, comprando as dores dele e transformando-as em suas, mas com um requinte: algo nesse ato tem a ver com o sagrado. Como sagrado são o amor e o sexo.
Então, que alegria assistir algo em que nos identificamos em nosso sagrado, ver na entrega de um ator a discussão do meu medo e do meu anseio, dos meus limites e que posso ir além.
A peça se desenvolve numa festa, num casarão cheio de almas trancafiadas, inclusive as nossas. E onde somos recepcionados por uma ex-prostituta imponente, logo envolvidos pelos “convidados” outros, numa noite em que devemos apertar os cintos, não seremos poupados. Ao contrário, depois que entramos não há mais como fugir, os nossos quartos, salas e cozinha serão abertos, por mais dolorido que isso seja, afinal “a Dor é o único sentimento que não tem máscara”. E sacanagem não é o que fazemos, mas o que fazem com a gente. Resgatar a sexualidade como um patrimônio único, presente dos deusas e deusas para a nossa felicidade e empatia. Com textos de Hilda Hist, Trevisan, Marcelino Freire e até mesmo alguns do Brasil Colônia e da Inquisição, uma cena se destaca de todas, a que se passa na cozinha onde a história de amor e morte entre homens, morte provocada pela homofobia, pelo olhar condenatório do outro. Te garanto que você não será mais o mesmo, depois que sair dessa cozinha. No elenco sentimos falta de uma travesti decidida Na re-paginação dos textos, foi incluída uma personagem lésbica que estreará na próxima edição do evento, ainda sem confirmação de data e local.
Mas também há celebração! Brilho das luzes e olhares que vêm juntos com o apelo para a nossa entrega. Não é possível viver, senão intensamente. Isso andava um bocado esquecido entre a gente...
Abaixo, um poema, “Desobediência Sexual”, de Ricardo Aguieiras, lido no final da peça:
Desobediência Sexual
Desobediência
Não espere de mim outra coisa
Infringir, transgredir
Não nasci para obedecer nem para semear a ordem
Quero a desordem
Desobediência sexual
Desobediência moral
Desobediência imoral
Quero um novo mundo
Além das leis e das regras
Além das religiões
De Deus ou do Diabo
É esse o mundo que quero
Não patrões e não partidos
Não dogmas e nem a sensatez conformada
Quero a minha educação descoberta por mim
Não ao sol tampado por peneiras
Estou na sarjeta onde plantei flores, mas sarjeta
Desobediência civil
Desobediência intelectual
Não a formas pré-estabelecidas
Não tentem me encaixar
Cremado ou dissecado serei
Para não caber nunca em um caixão
Flores? Não precisa! Já as trago tatuadas em meu corpo
Desobediência social
Desobediência corporal
Desobediência fiscal
Não sigo a sua estética
Não me dite normas
Não acredito na história oficial
Não acredito na conveniência da sua moral
Desobediência legal
Desobediência intelectual
... Desobediência sexual
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia e Direção: Aurea Karpor
Elenco: Alexandre Acquiste, Aurélio Prates, Aurea Karpor, Hélio Tavares, Mariana Galeno, Silvana da Costa Alves
Iluminação: Alexandre Pestana Trilha Sonora: Régis Frias
Operação de Luz: Sally Rezende
Operação de som: Wilton Rozante.
Produção: ProjetoBaZar
Figurino: Alexandre Acquiste
Orientação de Literatura: Marcus Aurélius Pimenta
Direção Geral do Projeto: Aurea Karpor e Rodolfo Lima
SERVIÇODe 9 a 24 de Janeiro de 2008
Sextas e Sábados, às 21 horas
Local - Casarão do Belvedere - Rua Pedroso, 267 - Bela Vista
Informações - (11) 3266-5272
Ingressos - 20 reais (10 reais meia entrada)
Lotação - 50 lugares
Duração - 60 minutos
Recomendação - 18 anos