Belas Artes fecha. Em meio a choro e mais protestos
Se tivesse um tapete vermelho na entrada, a última noite do Belas Artes poderia ser facilmente confundida com alguma pré-estreia ou a cerimônia de entrega de um prêmio importante. Mas foi a despedida do cinema que levou uma multidão para a esquina da Rua da Consolação com a Avenida Paulista. Em vários momentos, funcionários e grupos de defensores do cinema se manifestaram com cartazes e gritos de ordem. Nas últimas sessões, lotadas, com a exibição de clássicos do cinema, o público batia palmas antes de cada filme.
O fechamento do Belas Artes ainda não é tratado como definitivo pelo menos por seus defensores mais engajados. "Até 18 de abril teremos a resposta sobre o tombamento. E o que queremos é esse espaço como cinema. Nos interessa apenas o tombamento imaterial", afirma Anna Marcondes, presidente da Via Cultural, a primeira entidade a protocolar o pedido de tombamento no Conselho do Patrimônio Histórico de São Paulo (Conpresp). "Quero que vocês tratem essa última noite apenas como uma pausa para reforma", disse.
"Ainda apostamos no tombamento. Mas, por enquanto, é o fim. Se não der certo aqui, com certeza abriremos em outro lugar", disse André Sturm, sócio do cinema. Uma das opções é alugar um prédio no centro.
Com os últimos ingressos nas mãos, as palavras de conforto das autoridades que passaram por lá defendendo o cinema - o senador Eduardo Suplicy (PT), o secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, o ex-vereador Nabil Bonduki - não aliviavam a desolação dos frequentadores. "Não sei o que é pior: o que vem pela frente ou o que não vem. Vamos ficar sem cinema", disse a aposentada Frida Blank Schich, de 72 anos. Ela frequenta o Belas Artes desde a década de 50 com o então namorado, hoje marido, Aaron Schich.
"Não dá nem para ficar falando senão a gente chora", desconversa Angélica Silva, que há 12 anos serve o café do cinema. Enquanto ela segurava as lágrimas, a artista gráfica Andressa Cardoso escrevia um poema para deixar na árvore de papéis montada na porta do cinema com bilhetes saudosos de frequentadores assíduos - e no Belas Artes todos são assíduos. "Para mim, esse é o Cinema Paradiso (em referência ao filme italiano de mesmo nome)."
Histórico. O "fecha não fecha" do Belas Artes começou em maio do ano passado, quando o cinema perdeu o patrocínio majoritário de um banco. O dono do imóvel, o empresário Flávio Maluf, queria um reajuste no valor do aluguel e nenhum outro patrocinador chegou aos R$ 150 mil pedidos. Muitas mobilizações, reuniões e prazos esticados do contrato depois, Maluf pediu o imóvel de volta.
Agora, o Conpresp é que, talvez, possa acabar obrigando o proprietário a manter o espaço com o mesmo uso - o imóvel não pode sofrer alterações enquanto a processo não for concluído. "É uma questão de utilidade pública. Se tanta gente na cidade quer preservar esse lugar, as autoridades têm de servir como porta-voz dessas pessoas", diz o escritor Afonso Lima, de 34 anos, um dos líderes dos protestos pelo cinema. O local seria alugado por uma loja, mas já não há previsão.
Hoje, deve começar a desmontagem dos equipamentos e móveis do Belas Artes. Um dos projetores deverá ser doado à Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
PONTOS-CHAVE
Inauguração
O Belas Artes foi inaugurado com esse nome em 1967, quando foi assumido pela Sociedade Amigos da Cinemateca. Antes, ocupava o mesmo espaço o Cine Trianon, aberto em 1952.
Incêndio
Em maio de 1982, um incêndio atingiu as principais salas do cinema. No ano seguinte, foi reinaugurado, agora com seis salas, a mesma configuração adotada até seu fechamento.
Patrocínio
Em 2010, o cinema perdeu o patrocínio do HSBC, cujo nome havia sido incorporado ao Belas Artes da fachada. Restaurantes da região fizeram uma campanha para ajudar a mantê-lo.
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